Regozijo em cacos
A sede nem sempre é líquida.
É fato que beber com os olhos é mais prazeroso.
A íris, ao abrir a cortina de cores,
nos serve um copo sempre cheio. Até a boca...
A boca do copo. O apelido do copo é fonte.
E é só mais uma dessas fontes em que se
Bebem mitos e lendas. Mitos e lendas, mais que apelidos,
são camuflagens...
O culpado disso tudo é a mente dos que não fecham os olhos.
Dos que têm sono, mas não fecham os olhos.
A sala, o quarto, o sofá, a cama e a cadeira são todos
invólucros que cercam a carnadura humana, pra lhe oferecer repouso,
morada. O desejo é um músculo que invade a caixa e a torna outra matéria,
outro corpo. O corpo em que a inocência blefa com a concupiscência.
E rima também...
E rima também...
As curvas, sem asfalto, causam perigo em dobro.
Reto é bem mais do que seguir em frente. É seguir em frente, por trás...
Maçã e Homem são frutos do mesmo pé. A maçã permanece pela pura beleza,
o homem pelas muitas ejaculações... Somos a carne na carne,
mas nem sempre se é “eu”. Não se está sempre no “eu”.
Isso acontece quando a sala, o quarto, o sofá,
a cama e a cadeira se transformam em micro-édens.
Quando saímos de nós, quando nos olhamos no espelho
e não há eu - reflexo. Há outros...
Pra penetrar, pra lamber, pra atiçar, pra enganchar,
pra (pre-) encher, pra enfiar, pra esvaziar...
Nosso corpo é um espelho quebrado.
Atrás da cortina, escorre um gozo venal
que lambuza os cacos que restaram.